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Além da lenda de Urussanga Velha

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Ao final do século XIX, Urussanga Velha era uma vila. A lagoa generosa fornecia cará, traíra, tainha... Bastava entrar na canoa, esticar a mão e pegar o peixe. Não havia começado a exploração do carvão e o lago ainda era límpido. Quando teve início o povoado não há como precisar. Sabe-se que tropeiros e viajantes atravessavam o Rio Urussanga em viagens de Porto Alegre a São Paulo.

Criciúma nem tinha sido fundada e Urussanga Velha já tinha venda de secos e molhados. Era ponto de passagem entre o Rio Grande do Sul e as povoações de Laguna e Florianópolis. Tinha até hotel. Nos tempos da Guerra do Paraguai era movimentada a vila. Os tropeiros iam e vinham. Quase todos trabalhavam na roça. Plantavam milho, mandioca, feijão e cana de açúcar. Mas ainda tem gente que se orgulha de nunca ter trabalhado na lavoura. Tinha casa de comércio, delegacia de polícia, agência de correios, engenhos de açúcar, plantações de café e alambique. Uma nova igreja teve de ser construída pois não comportava mais o número de fiéis.

O cônego Bernardo Philippi, num relato escrito em 1952, afirma que o povoado teve início em meados de 1820, por gentes vindas de Imbituba. Sabe-se de concreto que em 1750 o Conselho Ultramarino de Portugal publicou um edital prometendo terras para casais que aceitassem se estabelecer na Capitania de Sant’Ana. Por volta de 1870, apareceram então João Soares, Lotério Felício e Crispim Santiago.

“Meu avô veio da Bahia, no tempo da Guerra do Paraguai” afirma seo Genésio, nascido em Urussanga Velha em 1928. Crispim Santiago tomou posse de uma terrinha e também de uma mulher, de nome Maria Bernarda, com a qual viveu toda a vida. As crianças caçavam passarinho com bodoque, jogavam futebol com laranja, tomavam banho na lagoa e brigavam um com o outro. As mulheres tiravam pluma de macega e vendiam na praça para comprar roupa.

Em Urussanga Velha, Crispim Santiago teve João. Ao ser batizado, o padre afirmou que um vivente não podia ficar sem sobrenome e colocou “dos Santos”. Assim, os descendentes do baiano, provavelmente escravo fugitivo, combatente da Guerra do Paraguai, nasceram e se criaram na localidade com este sobrenome. Quando a Lei Áurea foi assinada, portanto, João Crispim era um menino livre, mas tinha amigo que era escravo.

O amiguinho escravo foi mandado buscar peixe na Praia do Rincão. Voltou pelo Rio Acima com 40 quilos do pescado nas costas. Ao passar pelo Stibuck (bodega de um gringo segundo seo Genésio) encontrou um homem branco que lhe perguntou para quem era o produto. “É pro seo Mané Dias, lá do Morro Grande”. “Tu não sabe que a escravidão acabô? Jogas esse peixe fora que a escravidão acabô. Tu tais alforriado”. O guri não quis saber de mais conversa e se mandou para contar a novidade. “Mas quando eu era pequeno não sofria discriminação”, relembra Genésio Crispim dos Santos. “Era tudo igual na Urussanga Velha”, afirma ele.

Depois chegou o trem. Mudou a rota dos viajantes. A rota do mar foi abandonada e Urussanga Velha decaiu. Descobriu-se também o carvão e a lagoa foi poluída. O povoado mais antigo da região, devidamente comprovado com uma placa comemorativa no alto do morro, esvaziou.