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Brincadeiras em um século passado

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Na década de 1950, Içara era o paraíso da criançada. Não tinha parque, nem shopping. Apenas um cinema de madeira. Mas a garotada não parava.

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Cedinho levantavam e tinham de buscar o leite para depois ir pro “Antônio João”. Era a única escola existente e todo mundo era igual. Durante a semana, depois do almoço, caminhavam até o alto do morro na entrada da cidade para buscar tucum na beira da lagoa.

Uma lagoa preta, cercada de belíssimas árvores, onde o tucum era farto. Uma parada obrigatória era feita na casa do Seo João Rech para pegar o Osvaldinho. Era ele quem sabia tudo da lagoa e manejava o facão como poucos.

Andavam pelos matos. Os menores se perdiam, davam topadas nos dedos sem sapatos, mas nem sentiam dor. Imaginavam encontrar índios, cantavam, contavam histórias de arrepiar os cabelos. Acreditavam que Pedro Malazarte existia e como ninguém queria parecer com o Aniceto Chorão, seguiam em frente.

Depois do tucum, atacavam as palmeiras para comer o palmito ali mesmo, sem qualquer cuidado de higiene. Tinham estomago de avestruz. Nada fazia mal.

Em maio era preciso ir mais cedo para casa. Tinha coroação de Nossa Senhora. As meninas se vestiam de anjo e ninguém perdia o espetáculo. Com chuva, frio ou calor, com ou sem vento, no meio da tempestade acontecia a cerimônia. O medo era perder o lugar.

Durante o ano inteiro guardavam e secavam pó de café, tingiam serragem, encapavam fichinha de garrafa com papel de ourinho do cigarro para fazer os tapetes no dia de Corpus Christi. Levantavam cedo e cada um queria ter seu tapete mais bonito do que o outro. O padre descia o morro com o Santíssimo Sacramento exposto. Todos se ajoelhavam nas calçadas em sinal de respeito.

Quando o padre chegava perto do trilho, a criançada já estava no lado contrário, lá no alto do morro da igreja e suprema glória, descia em disparada desmanchando os tapetes. O prazer de fazer os tapetes de Corpus Christi era exatamente esse: desmanchá-los. No dia seguinte, começava tudo de novo. No entorno do Clube Ipiranga, catava-se carteira de cigarros, retirava-se o ourinho do invólucro, limpava-se as tampinhas de garrafas, além de encapar e guardar em latas até o ano seguinte.

E as festas de São Donato? Eram nove noites de festa, barraquinhas e cantorias. Os meninos tomavam rabo de galo na venda do “Seo Bolis”. Os adolescentes se olhavam. Os jovens namoravam e a Igreja juntava dinheiro para seu caixa. A procissão era aguardada com ansiedade. Mal o padre terminava de passar e a criançada corria a arrancar as palmeiras que enfeitavam a rua para extrair o palmito. Quem podia mais chorava menos. Palmito ensopado com polenta era a melhor comida existente.

As vezes as crianças rodeavam a fábrica de bala do Seo Manoel Cardoso para ver se a Edite Lodetti aparecia com uma bala no bolso do avental. Tinha um tal de João, dono de um Ford bem antigo que subia o morro da Marcos Rovaris aos solavancos, gemendo como um asmático. Os meninos jogavam corrida com o Ford para ver quem subia primeiro. As meninas corriam atrás para ver quem ganhava a corrida.

À noite, o único local iluminado era a estação do trem. Durante o dia era reduto dos adultos, já que pelo telégrafo da estação chegavam as novidades. Ao entardecer, a estação era das crianças que iam brincar de bandeirinha.

Repartia-se a gurizada em dois grupos, e um de cada vez, saia correndo para o grupo rival pegar. Se batesse na bandeirinha antes de ser pego era ponto pro grupo. Como ninguém tinha vocação para perder, a gurizada se matava de tanto correr. Mas quem sempre ganhava eram as filhas do Seo Pacheco.

Numa ocasião, sem que ninguém percebesse, começou um tiroteio no lado da intendência. Um homem correu pela estação, os tiros batiam na parede e gente corria para todos os lados. Um tiro acertou a mão de um homem decepando-lhe os dedos. Seo Avany, o chefe da estação gritou, mandando parar com os tiros.

Como não pararam, ele botou a criançada pra dentro, fechou a porta e telegrafou para a policia de Criciúma. No dia seguinte, o delegado visitou as crianças querendo saber do tiroteio. Mas ninguém tinha visto nada. Os pais diziam que ninguém tinha visto nada. Então ninguém viu nada. Nunca mais as crianças brincaram na estação.