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Preparativos para Calanga

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Calanga era figura conhecida não só no bairro Aurora, local onde residia, mas também na cidade e noutras comunidades do município. Locais por onde costumava vagar bem devagar. Gostava de uma pinga como ninguém, mas não economizava críticas aos viciados em outras drogas, qualquer que fosse o tipo delas.

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Também costumava disparar sua metralhadora de reprimendas contra os “amigos do alheio”. Se dependesse dele, a lei de talião estaria vigorando. A rotina de Calanga seguia normalmente... Depois de “bater o ponto” nos mais diversos botecos das redondezas ele voltava para casa e tirava aquela “merecida” soneca.

A chegada no lar era sempre um caos. Um enorme incômodo para a família, pois, para alcançar seu objetivo de chegar ao quarto, Calanga “escalava” antes uma complicada escadaria, fazia um “pit stop” no banheiro e depois passava pela cozinha e sala. A família não suportava mais aquela situação. Por isso se reuniu e tomou uma decisão: Calanga não ficaria na rua, mas seria impedido de entrar na casa.

Sua cama seria transferida para o porão bem como todos seus demais apetrechos. Assim foi feito e a mudança foi boa para a família e também para Calanga, que se livrou do martírio da escadaria. A vida continuava, mas... Como se rotina não fosse, uma tragédia acontecera na BR-101. Alguém acabara de ser atropelado e um corpo jazia sem vida no asfalto. Logo uma multidão de curiosos se formou e o corpo era identificado.

– É o Calanga!, alguém bradou – Ele não poderia terminar de outro jeito. Sempre “mamado” e andando nessa estrada tão perigosa... (outro comentou). A família foi avisada. A polícia rodoviária também. Familiares reconheceram o corpo, os policiais preencheram suas fichas com os dados pessoais do finado, seu endereço e circunstâncias do acidente. O IML foi acionado e o corpo recolhido e levado para necropsia. A família, consternada, retornou para casa a fim de preparar o velório enquanto aguardava a liberação do corpo.

Calanga seria velado na sala, pois a proibição de entrar em casa só valia se estivesse vivo. Começou, então, o arrastar de cadeiras, mesa e cristaleira. Vizinhos vieram ajudar e logo a casa de Calanga estava cheia de gente. Enquanto uns varriam os “paranhos” que surgiram do remexer dos móveis, outros se ocupavam com o preparo do cafezinho, da pinga e de tudo mais que costuma fazer parte do cardápio dessas ocasiões.

De repente, justamente no momento de maior expectativa, consternação e euforia, eis que surge na porta da cozinha uma figura que fala em voz alta: “Que é isso!?” Todos param seus afazeres e olham para o vulto que aparecia na contraluz da porta. “Não se pode mais dormir descansado nesta casa!?”, acrescentou indignado o recém chegado.

A voz não era estranha e logo as pupilas se adaptaram à luz e os olhos de todos que, estupefatos, puderam ver com clareza aquela figura que permanecia na porta sem transpô-la. Era o Calanga, cujo sono profundo, quase um coma, fora brutalmente interrompido no porão por tamanha algazarra, jamais vista naquela casa...

O conto é baseado numa história verídica, ocorrida em dezembro de 1999. Calanga faleceu alguns anos após esse episódio, vítima de cirrose hepática e outras complicações. A Polícia Rodoviária Federal encaminhou na época à Delegacia de Polícia da Comarca de Içara o laudo do acidente onde constava o nome completo de Calanga e demais dados pessoais, seguidos da informação “vítima fatal”.