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“Educação especial: desafios para uma educação inclusiva”. O título sugere a busca de conhecimento e soluções diante de um panorama social em carência. A ementa confirma a impressão aparente. Para estudar a temática, é preciso mergulhar em um misto de teoria e prática, que vai da legislação específica ao desenvolvimento escolar de crianças especiais. Ao todo, são necessárias 300 horas de aulas presenciais. Ou então, algumas horas de negociação.

Dez e-mails trocados, um telefonema e poucos minutos de conversa cara a cara. Foi o que a reportagem do Jornal da Manhã precisou para adquirir o certificado do aperfeiçoamento. Além, é claro, do pagamento de R$ 75. Sob uma identificação fictícia, a reportagem entrou em contato com um empreendimento de Criciúma, que supostamente promove cursos nas áreas de Educação, Desenvolvimento Profissional e Saúde.

A solicitante em questão esclareceu de pronto, via internet, seu interesse: certificado. A resposta chegou em poucas horas: “que curso tu queres?”. Travava-se, assim, o início de um diálogo, que evoluiu a uma proposta de parceria no esquema, que atrai de professores a estudantes universitários. Quem oferta o certificado é a pedagoga S.T., que responde também como ministrante do curso. Bastou informar a área de interesse e os dados pessoais para avançar na transação, concentrada na troca de e-mails.

Por telefone, o último passo foi arquitetado, juntamente com um questionamento, lançado pela mulher: “é para o Estado?”. Com a resposta afirmativa, S. propõe uma parceria. “Se souber de mais gente precisando, me encaminha que eu te pago uma comissão”. Poucos minutos depois, a aquisição se materializou no apartamento da pedagoga, em que funciona o escritório improvisado da empresa educacional.

Menos de 24 horas após o contato inicial, o certificado estava em mãos, e devidamente “seguro”, segundo ela. No apartamento, uma voz masculina atendeu ao interfone. Com a identificação, S. desceu e atendeu sua mais nova cliente, levando-a até sua moradia. Ainda no elevador, ela enaltece a possibilidade de parceria no esquema, com repasse de 25% do valor angariado.

Ao longo da tratativa, a pedagoga, que seria especialista em Fundamentos da Educação e Psicopedagogia, trata o assunto com plena naturalidade. “Nunca tivemos problemas”, garante a mulher, exibindo a portaria regulatória impressa no verso do certificado. Além do documento, o comprador recebe um CD com o conteúdo referente ao aperfeiçoamento. “Assim você tem noção do assunto abordado no curso”, justifica S.

“Mas como você pediu em cima da hora, você ficou sem o CD. Não deu tempo de preparar”, fala. No certificado também há a assinatura de B.C.P., que atende como diretor administrativo da empresa. O documento é amparado pela Portaria 001/2002, de 24.01.2002, da secretaria de Estado da Educação e do Desporto, que atende à normatização de autorização de funcionamento dos cursos de qualificação profissional de nível básico, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A portaria prevê ainda que, sempre que necessária, a fiscalização caberá à secretaria de Estado da Educação e do Desporto.

A denúncia do esquema foi repassada à reportagem por estudantes universitários. Um deles afirma que a oferta de certificados, para sanar as horas complementares ao estudo, foi realizada em uma instituição acadêmica. “Ela disse que fazia isso porque tinha dó dos alunos”, conta. Conforme S., os estudantes são os que mais buscam o serviço. “É só ir às universidades e escolas para vender”, relata. A pedagoga acrescenta que os professores também têm intensificado a procura.

“Tem muita gente procurando, porque o Governo do Estado anunciou a contratação na semana passada”, revela. A procura por parte dos professores se justificaria pela colocação profissional e incremento de pontos no processo seletivo aos Admitidos em Caráter Temporário (ACT’s), de acordo com a vice-coordenadora estadual do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte), Janete Silva. “Infelizmente a compra de certificados é algo que acontece. Muitos querem aumentar sua referência na escola, mas não conseguem estudar porque o Estado não libera e acabam comprando”, considera.

O trabalho da reportagem do Jornal da Manhã, compra do certificado e apuração de informações, se concentrou em 17 de junho. No dia seguinte, o material foi entregue integralmente ao Ministério Público, que instaurou procedimento investigatório, por meio da 13ª Promotoria de Justiça, com colaboração do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco). Batizada como “Magister”, a operação aponta o possível envolvimento de outras pessoas, além dos dois suspeitos citados. “A operação não foi concluída ainda. Vamos dar continuidade à investigação e ajuizar denúncia em breve”, menciona o promotor da Vara Criminal, Pedro Lucas de Vargas.

Em cumprimento ao mandado de busca e apreensão no escritório da suposta escola, mais de 100 certificados foram encontrados, compreendendo período de fevereiro a maio deste ano. “Verificamos que muitas pessoas simplesmente fizeram a inscrição, há uns 15 dias, e o certificado já estava pronto”, acrescenta o promotor. Também foram apreendidos computadores, documentos, livros, anotações e uma quantia em dinheiro.

Em captação de testemunhos, 25 pessoas foram ouvidas. Destas, apenas uma não atuaria no magistério. “Alguns afirmaram que fizeram a inscrição para o curso e estavam na expectativa de realmente terem aulas. Outros foram mais claros, assumiram que a intenção era apenas adquirir o certificado”, explica Vargas. As evidências colhidas delinearam diferentes nichos de compra, de acordo com o promotor Maurício Medina. “A utilização tinha três finalidades principais: suprir a carga horária de universitários, a progressão de carreira dos professores e para os concursos de ACT’s”, elenca.

Além da denúncia, a ser ajuizada, a operação deverá se desdobrar em sugestão de revisão dos critérios de seleção dos profissionais em caráter temporário e orientação ao Município e Estado para desvalidar os certificados. “Se criava uma situação de desigualdade. Essas pessoas tinham vantagem diante das demais. É o caso de analisar uma mudança nos critérios deste processo”, avalia o promotor.

A empresa atuaria há mais de uma década em Criciúma, segundo consta em site. Na página, também são divulgados os nomes e currículos de outros quatro profissionais. São mais de 50 cursos ofertados, compreendendo as áreas da Educação, Gerenciamento e Saúde. Entre as opções estão: Ética na saúde; Atendimento a Crianças e Adolescentes em Situação de Risco; Direito Tributário Municipal e Transtorno Geral do Desenvolvimento: Deficiência Mental e Dificuldades de Aprendizagem.

No quadro de ofertas também figuram lançamentos, como os cursos: Práticas de sustentabilidade, Lidando com distúrbios de aprendizagem e Dislexia. Já os custos médios, variam conforme a carga horária requisitada. Para os cursos de 100 horas/aula, o investimento é de R$ 55, aumentando para até R$ 79, aos níveis de 300 horas/aula.