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Cotidiano

Sobram horas na folha e pessoas na fila

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Gilberto Schelbauer sofreu um acidente em 7 de junho de 2012. O primeiro atendimento ocorreu no Hospital São Donato. Depois foi encaminhado para a rede municipal. Chegou a fazer fisioterapia devido ao ferimento no fêmur direito. O problema ocorreu na hora de buscar espaço na agenda de um ortopedista para ter o tratamento encaminhado. “Preciso apenas da assinatura dele para continuar as sessões”, coloca.

Ao lado, outro acidentado requer atendimento. Ele foi prontamente socorrido pelo seguro contra Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), teve a cirurgia marcada, mas não se contentou. Na tentativa de buscar uma segunda opinião, frustrou-se ao tentar este auxilio também na rede municipal. “Eu queria saber se a colocação de platina era o procedimento correto”, coloca no anonimato devido a necessidade acompanhamento pela unidade de saúde e ao temor de ser prejudicado.

É sexta-feira. No relógio marca 8h40 e a unidade do bairro Primeiro de Maio está lotada. Mas basta 60min para que os atendimentos da ortopedia cheguem ao fim. O tempo no consultório pouco importa ao médico. O acordo é pela produção. Um dos profissionais é responsável, por exemplo, por 30 consultas por semana. E no caso de desistências ninguém pode ser colocado no lugar. “Este é o nosso maior problema”, coloca a enfermeira responsável pela unidade, Larissa Alves. A negativa fica por conta do próprio profissional. Com isso o número de atendimentos as vezes não atinge nem a metade do que foi agendado e ele vai embora.

Das 20h semanais em que pelo menos um médico é contratado, chega a cumprir somente 3h. Mas ao final do mês nada muda na folha. O salário ultrapassa R$ 5 mil enquanto que se fosse considerada apenas as horas de consultas, ficaria com pouco mais de R$ 800. Sobre este valor também poderiam ser adicionadas as cirurgias inclusas no acordo. Entretanto as metas igualmente não são seguidas à risca. “Tem médico que não faz o número de cirurgias por que não quer. Mas ocorre também a dificuldade de encontrar horário nos centros cirúrgicos”, coloca a coordenadora do Controle e Avaliação da Secretaria Municipal de Saúde, Gisele Ramos.

Segundo a responsável pela atenção básica da cidade Glícia Pagnan, a ortopedia figura no topo das especialidades mais procuradas junto também com neurologia, dermatologia e endocrinologa. A redução desta demanda reprimida esbarra em diferentes fatores. Um deles é o não cumprimento das próprias metas de consultas. O Sistema Único de Saúde preconiza que o atendimento ao paciente dure cerca de 15min. Em 20h por semana para endocrinologia, seriam então 80 consultas. Mas os agendamentos realizados pela Secretaria Municipal de Saúde chegam a ter 20 números a menos. Ou seja, se a carga horária contratada fosse dividida rigorosamente pela meta do SUS, haveria mais vagas.

A desconsideração das metas e da própria carga horária não é isolada a uma única especialidade ou médico. A equipe de reportagem esteve em três unidades de saúde e no Centro de Centro de Atenção à Saúde da Mulher e Infância nos últimos 15 dias. Em 8 de abril, por exemplo, a permanência do cardiologista no bairro Liri não foi nem de uma hora já que havia somente dois pacientes agendados. “Aqui não temos problema em caso da substituição de pacientes. O médico geralmente até fica um tempo a mais depois das consultas também para tratar dos prontuários”, ameniza a enfermeira responsável, Shirley Gazola Cardoso.

No caso dos clínicos gerais, os vencimentos são de R$ 9,2 mil para 40h semanais. Isto deveria significar R$ 58,04 por hora. No entanto, há profissional que deve até 12h30 a cada semana. Isto significa que recebe pelo menos R$ 2,9 mil sem estar na unidade de saúde. Em todos os postos visitados foi verificado o descumprimento do horário ainda que em diferentes proporções e sem um registro oficial disto. A falta de controle ocorre pela inexistência do ponto. Apenas as agentes comunitárias tem atualmente a presença registrada.

Infografia: Canal Içara

"Em média os médicos ficam aqui em torno de duas a três horas. Depende do caso. A gente sabe que tem a preconização do SUS de 15min por consulta. Mas em muitas vezes já foi realizada a consulta de 15min e agora é o retorno. É só para mostrar o exame", coloca a coordenadora do Casmi, Maristela Paz Meinert. “A solução é o ponto digital”, acredita Glícia.

"É preciso que se verifique a carga horária dos médicos para atender a demanda. Os médicos devem cumprir a carga adequada, condizente com a lei e os salários", aponta o presidente do Conselho Municipal de Saúde Milton Ricardo Medeiros. “Todos os pacientes vão no mesmo horário. Isto favorece que atendam rapidamente para sair do consultório rapidamente. O sistema atual acaba favorecendo isso”, acrescenta.

A falha é reconhecida pelo próprio secretário municipal de Saúde Lauro Nogueira. E não poderia ser diferente. O problema foi apontado por ele em reuniões com o Ministério Público antes mesmo de assumir a função. Na época a discussão não evoluiu. Já agora tem a chance de mudar o cenário. Mas vive o temor dos antecessores. “Se impormos o horário, poderemos ter demissões. E se faltar atendimento, a comunidade vai entender?”.

"O que estamos tentando é o desafogamento das consultas no SUS. Para isso eu preciso da comunidade. Os içarenses devem investigar o horário de cada médico e também exigir deles. A sociedade está pagando isto”, coloca Lauro. "Temos que chamar a atenção da Região Carbonífera. Estamos junto com o Ministério Público tentando resgatar isto. Se fossem cumpridos os horários, dificilmente teríamos filas de espera e este grande número de atendimentos nos hospitais. Esta é uma falha nossa", assume.

As interrogações sobre as demandas exigem reflexões ainda mais abrangentes. São mais do que números. Há especialidade com baixa procura atualmente, mas que no passado foi diferente. Uma das explicações está na falta de qualidade do atendimento em algumas especialidades e no consequente deslocamento dos pacientes aos consultórios particulares. Parte dos profissionais que atuam nas unidades básicas de saúde apontam também que a existência das filas contribui para as constantes faltas de pacientes. “Alguns precisam de atendimento mais rápido e optam por isso pelo particular”, relata a enfermeira Larissa.

No caso dos usuários desistentes, o pedido é que avisem a unidade de saúde sobre a decisão. “Tem muitos casos de pacientes que não comparecem nas consultas por causa de outros compromissos ou não querem determinado médico. Quando não somos avisados com antecedência, não conseguimos colocar outra pessoa no lugar. Este paciente acaba voltando para a fila e a consulta que deveria ter ocorrido fica perdida. Isto significa que um paciente ocupa a vez de dois. A gente pede que em casos assim as pessoas liguem, passem na unidade de saúde ou na secretaria para informar se não puderem comparecer”, relata Gisele Ramos.

“Eu tinha uma oferta de 240 consultas no mês passado e cumpri 221. Não é que o médico não estivesse aqui para atender. Ele estava. E os pacientes também estavam na lista, mas não compareceram. Só que eu não posso também pegar pessoas que vem na rua para colocar no lugar. Desse modo eu não iria gerar uma fila de 70 pessoas dentro da unidade. Eu geraria uma fila de 200 pessoas. Isto não pode funcionar dessa forma até porque eu tenho que ter o prontuário dos pacientes em mãos”, acrescenta Maristela.

Infografia: Canal Içara

Quanto a inexistência do registro de frequência, não se trata de uma exclusividade das equipes que fazem o atendimento de saúde. Ocorre em diferentes repartições públicas municipais. Tanto que chamou atenção do Ministério Público e um Termo de Ajustamento de Conduta já foi proposto. O TAC apresenta dois prazos para a implantação do controle dos trabalhos. No caso da área da saúde, a proposta é que a implantação preferencialmente de um sistema eletrônico ocorra em até um mês. Já aos demais servidores a instalação poderá ocorrer em até seis meses. Se o Município assinar o documento, a Promotoria não entrará com medidas judiciais. Em contrapartida, se houver o descumprimento será cobrada multa de R$ 30 mil em favor do Fundo para recuperação dos bens lesados de Santa Catarina.

“O TAC que foi proposto para a administração visa coibir a falta de controle de todos os funcionários. Mas a preocupação principal do Ministério Público é na área da saúde. Tanto é que uma das cláusulas prevê um prazo mais reduzido para estes servidores”, coloca o promotor Marcus Vinicius de Faria Ribeiro. “Pelo que consegui de informação até o momento, parece que é uma prática que ocorre há vários anos. Então é difícil eu dizer o motivo exato pelo qual a administração não tomou nenhuma providência até agora. Acredito que seja uma preocupação com o desgaste político. Se busca sempre, quando são estes casos mais polêmicos, um respaldo do Ministério Público”, completa.

Infografia: Canal Içara

Na avaliação do promotor, a situação verificada atualmente gera prejuízo para a sociedade devido a dilapidação do erário. "O Município está pagando o salário pelo que o médico foi contratado. Não é um salário baixo. São valores consideráveis pela carga horária que deveriam cumprir. Além do prejuízo de valores, aparentemente o município tem que contratar um quadro maior de médicos para dar conta da demanda", sublinha. "Se os médicos atendem uma agenda com o horário tão reduzido, fico me perguntando qual a qualidade no atendimento aos pacientes. Estou fazendo uma suposição e não afirmando que os médicos atendem mal. Mas é de se investigar", questiona.

INVESTIGAÇÕES – Somente neste ano dois inquéritos foram abertos pelo Ministério Público devido a coincidência de horários na prestação de serviços em diferentes repartições públicas. "Por isso que a gente está exigindo este controle. A partir do momento que for implantado, teremos como saber se a pessoa está ou não cumprindo o horário", aponta o promotor Marcus Vinicius de Faria Ribeiro. "Esperamos que a administração, que vem pregando a transparência e moralidade, possa se conscientizar da importância da assinatura deste TAC e da criação deste controle. O que está em jogo não é o interesse político e a vaidade. O que está em jogo é o interesse público. Entendemos que o ideal é a assinatura do termo. Não sendo possível esta negociação, entraremos com uma ação para que aja uma decisão judicial", conclui.

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